Público, notório e induvidoso são os efeitos devastadores que a pandemia causada pelo “COVID-19” tem causado, assim como, muitos males virá à causar para a economia do país; uma vez que, muitas das atividades econômicas estão proibidas de funcionar regularmente ou estão funcionando com restrições em razão das “quarentenas”, que não se sabe, quando terão fim.
Considerando isso, o objetivo deste breve artigo é esclarecer de forma simples a questão que envolve o aspecto jurídico dos contratos de locação de imóveis “não residenciais” e comerciais durante esse período de crise, conquanto demonstrado fatidicamente que o locatário foi atingido total ou parcialmente em seus negócios (redução total ou parcial de suas receitas, principalmente porque não pode manter “suas portas abertas” regularmente) e não tem condições de manter os pagamentos dos alugueis do imóvel, que fazem parte de suas despesas em consequência dessa crise.
Nesse contexto, em primeiro lugar faz-se necessário lembrar que estes contratos decorrem de relações jurídicas de trato sucessivo entre locadores x locatários, sejam elas pessoas físicas ou jurídicas, as quais se encontram presumidamente em posições equilibradas e respondem aos ditames da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91); bem como, aos preceitos gerais da Legislação Civil em vigor e os princípios do pacta sunt servandae rebus sic stantibus, que se fazem presentes em toda a legislação e são fundamentos para as decisões judiciais, quando os litígios de casos concretos são levados ao Judiciário.
Pacta sunt servanda – Como esse princípio se aplica
O primeiro princípio do pacta sunt servanda significa entender que “os contratos devem ser mantidos e cumpridos em seus devidos termos”, pois, suas cláusulas e condições fazem “lei entre as partes”. Este princípio está insculpido em vários artigos do Código Civil, principalmente no artigos 421 e seu parágrafo único, artigo 421-A e artigo 422 que rezam que:
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
No caso específico em questão; a locação para fins “não residenciais” tem como finalidade o uso do imóvel pelo locatário, para servir-lhe para um determinado fim econômico (“seu negócio”), pagando por isso, o aluguel correspondente ao período de uso. Nesse sentido, não é demais lembrar que o locatário, como “empresário” de seu negócio, deve assumir os riscos da “atividade empresarial” que desenvolve e, por vezes se situa em posição mais privilegiada que do próprio locador, considerando a intensidade e extensão do negócio que desenvolve em relação à relação locatícia.
Rebus sic stantibus – O Contraponto
O segundo princípio do rebus sic stantibus é uma atenuante em relação ao princípio anterior e significa entender que “os contratos devem ser cumpridos enquanto as coisas permaneçam como estão”; ou seja, “desde que mantidas as mesmas condições quando da elaboração do contrato, para todas as partes envolvidas”; possibilitando um ajuste ou revisão do contrato, caso advenham situações adversas e imprevisíveis à época da contratação e que representem um desequilíbrio contratual e gere à uma das partes uma excessiva onerosidade.
Nesse sentido, certos acontecimentos e situações fogem do alcance do locatário, de prever e assumir como “empresário” os riscos de seu negócio e da “atividade empresarial” que desenvolve; de modo que, por mais vantajosa que seja sua posição econômica em relação ao locador, pode ser que, não seja possível para ele manter os pagamentos dos alugueis pactuados para o fim de “manter seu negócio aberto”, nas mesmas condições quando da elaboração do contrato.
Sendo assim, ainda que se considere a realidade fática de cada caso concreto de locação para fins “não residenciais” nessa época da pandemia do Coronavirus, resta-nos claro afirmar sem sombras de dívidas que, em geral, nos encontramos diante de uma situação de caso fortuito ou força maior, prevista no Código Civil em seu artigo 393, que reza que:
Art. 393 – O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
“CONCEITO DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR O caso fortuito ou de força maior pode ser definido como sendo o fato ou ocorrência imprevisível ou difícil de prever que gera efeitos e consequências inevitáveis e impossíveis de se evitar ou impedir. ”
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Neste cenário, o Código Civil permite a revisão judicial do contrato, nos seguintes termos:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Além disso, em que pese estas considerações a cerca da possibilidade da revisão dos contratos de locação “não residenciais” e comerciais em razão da pandemia causada pelo “COVID-19”; não significa imaginar que restam afastados outros princípios e normas delineadores da forma e como devem se comportar as partes em relação aos contratos pactuados; como exemplo, a autonomia da vontade das partes e a liberdade de contratar, a boa-fé etc.
Desse modo, o melhor que se pode recomendar nessa época para locadores, locatários e administradores de imóveis em locações para fins não residenciais ou comerciais, nas situações acima expostas; é que estas partes devem chegar a um acordo, em benefício ao melhor interesse delas e sem que seja necessária a intervenção do Poder Judiciário para resolver a questão. Nesses casos, é muito importante que seja elaborado e firmado um termo de transação e aditivo do contrato de locação para que não fique “o dito pelo não dito” e, o que se pactuar seja obrigatório entre as partes.
Nesse sentido, não é demais lembrar que um processo judicial envolve a demora de seu prosseguimento e custas; sem contar o tempo que um imóvel entregue ou retomado fica livre e disponível para uma nova locação, sem que o proprietário possa colher qualquer fruto dele, além de ficar obrigado ao pagamento de tributos, como IPTU, despesas de conservação etc.
Cumpre ainda esclarecer que embora tenha sido cogitada a aprovação de um Projeto de Lei que previa a suspensão dos pagamentos de alugueis durante a pandemia do COVID-19, isso não prosperou até o presente; de modo que a melhor recomendação que se tem é ainda a livre negociação entre as partes, intermediada pelos administradores e advogados que devem procurar sempre uma conciliação entre as partes, em prestígio aos modernos princípios que prezam pela pacificação entre as partes e a solução consensual dos conflitos.
Então, o que fazer? Todos somos vítimas direta ou indiretamente dessa pandemia e temos os nossos negócios afetados negativamente com efeitos e consequências inevitáveis e impossíveis de se evitar ou impedir… A melhor solução que se tem é a livre negociação entre as partes, mas, caso não exista acordo entre as partes, a questão deve ser levada para apreciação do Poder Judiciário que resolverá a questão nos devidos termos de um processo judicial. Em qualquer caso, as partes envolvidas nestes conflitos devem buscar a consultoria, assistência e assessoria de um profissional especializado na área.
Embora tudo o quanto afirmado e recomendado, caso não exista acordo entre as partes não haverá alternativa senão levar a questão para apreciação do Poder Judiciário que resolverá a questão nos devidos termos de um processo judicial, como exemplos: ação de despejo por falta de pagamento, cobrança de alugueis e encargos, revisional de alugueis, pedido de rescisão antecipada da locação sem incidência de multa etc.
Portanto, em qualquer caso, é altamente recomendável que as partes envolvidas nestas questões busquem a consultoria, assistência e assessoria de um profissional especializado na área – como um advogado especialista em direito imobiliário, pois, este acompanhamento é da mais alta importância para a melhor solução de seu caso.